quarta-feira, 28 de abril de 2010

Trânsito (Elle - 02)

Cinco anos. Foi esse o tempo exato. Havia trocado de cidade, passando por várias casas e não encontrando paz em nenhuma delas. Só no centro foram três. Uma com uma grande varanda e armadores embutidos onde elle descansava seu peso numa rede. Ah, quantas história passadas! Essa era azul e foi o mais próximo de um lar que possuiu, todavia, não llhe foi o suficiente, pois seu desejo mais freqüente era não só a rede, mas também, uma nega pra fazer cafuné. Aquelas vizinhanças careciam de qualidade nesse quesito.

O conjunto rede-nega é engraçado por vários motivos: primeiro pela rede. Quem desejaria uma rede quando poderia ter qualquer coisa? A rede tem um charme todo especial, muitas vezes, acompanhada de uma bela vista e de uma brisa agradável. No caso, a rede é o modo simples de dizer um todo. O lânguido balançar da varanda amarela, ninando o dono preguiçosamente deitado, a brisa batendo levemente contra a rede produzindo uma suave canção completada pelas ondas do mar.

A nega, segunda parte dessa fusão, não é a negra em si. Nega é mulher carinhosa, recíproca e charmosa. Aquela tantas vezes descrita e conhecida por Vinícius ou a cantada por Caetano em “você é linda”. Dona da curvatura perfeita para o corpo delle quando deitado e de pele tão macia que manter as mãos paradas em qualquer parte do corpo dela seria pecado mortal. Via nessa figura, rede-nega, um homem feliz, o qual invejava alvamente. Sendo assim, ter metade disso não era felicidade. Não tendo motivos para ficar, partia.

Outras tantas casas receberam sua presença, no entanto, por tempo limitado. Quando não faltava a nega a vista desfavorecia ou o vento era forte ou pior inexistiam armadores. Digamos, tratando-se de relacionamento, que flertou com todas e não namorou nenhuma. E surgiu então a pergunta: o que estaria faltando além da casa? Pergunta já anteriormente respondida, afinal se rede já havia só llhe faltava uma coisa. A nega!

Sua nova casa era de frente para o mar próximo ao amontoado de clínicas. Era um bairro residencial e comercial ao mesmo tempo, o Mirador. Com tamanha diversidade de hospitais ele pensou está bem precavido contra qualquer incidente e riu de seu gosto por segurança. Levemente desastrado como sempre fora, machucava-se inúmeras vezes, principalmente por gostar de ter objetos no chão e de estar no chão. No percurso do banheiro à cama, por exemplo, sempre feito durante o escovar de dentes, era um caminho inóspito. Num espaço de poucos metros tênis, meias, livros e cadernos se entrelaçavam.

A nova varanda enorme cercava toda a casa. O tamanho, apesar do aparente esplendor, era modesto. Seus móveis vieram numa só viagem do caminhão fretado. Ao final da tarde, com a nova residência organizada, andou lentamente pelos cômodos vendo a disposição final de cada um. Mesmo depois de tanto capricho, a varanda mantivera o título de melhor recanto.

Tirou a rede das últimas embalagens da mudança ainda fechadas e deslizou em direção a varanda, demorando-se de fronte à estante escolhendo o vinil. Nesse momento abandonou as incertezas e dissera não haver contestação, seria Noel.

A vitrola em atitude libertina, mal esperou o descase da agulha, lançara Noel pelas paredes preenchendo a totalidade do recinto. Elle riu. Adorava todas aquelas músicas que estavam por vir e conhecia as letras em cada gota de tinta daquele encarte. Com a rede em punhos continuou a odisséia à varanda agora mais anormalmente atrativa.

VARCELLY

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