quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Vaso de origami

Água, grande parte constituinte do meu corpo, parece ser para mim bem mais que isso. Não existe estado de mal-humor implacável perante suas correntezas, é como se esse humor fosse um vaso sem água, estressando a planta que carrega. Se o vaso sou eu, a planta seria minha alma.
Interessante é, porém, o fato, sou um emaranhado complexo e infinito de palavras. Essas são minha pele, meus olhos, meus pensamentos. Meus textos não passam de escorões dados em uma superfície limpa e clara suficiente para que possam ser transcritos. E quanto mais me molho mais fácil tinjo os lugares ou até mesmo minhas roupas.
Unindo esses parágrafos citados chego a um veredicto, sou um vaso feito de jornal, adornado por uma flor e apoiado em um canto qualquer.
Quando há estiagem, sofro por completo. Minhas folhas ressecam e se retorcem, e a flor, sem seu substrato e ainda sufocada pela minha deformidade, também. Nesse momento não há escrita, apenas ranhuras no corpo da flor causadas pelas formas pontudas e agressivas criadas no jornal. É como um preparatório para uma batalha sangrenta, na qual existe a possibilidade de tortura, antecipa-se inconscientemente essa, visando evitar catástrofes maiores à frente. O problema, todavia, é que o papel de autotorturador é cruel, pois qualquer dano de mesma intensidade causado por terceiro dói mais do que o causado por si próprio, ou seja, és o mais maquiavélico dos carrascos. Tudo pela possibilidade fútil do “sei quando não poderei mais agüentar e não pretendo chegar até lá!”. Mero engano. Já cruzaste esse limite várias vezes.
Quando chove são várias as possibilidades.
Chove e todo o meu conteúdo é preenchido. Minhas folhas são novamente hidratadas, somem os espinhos e a flor se ergue, passada a chuva, em busca do sol. Como todo bom vaso de origami, a água colocada dentro de mim me preenche e não vasa, nem danifica minha integridade, ou seja, além de renutrido de alma, estou apto a imprimir ou me transcrever. E por muitas vezes são assim os dias, o nível de água oscila entre valores aceitáveis e passíveis de serem sanados com uma dose diária de banho, digo, de irrigação.
Isso acontece porque todas as possíveis estruturas que suportam o vaso são móveis, permitindo uma distribuição desigual de água às sessões do vaso. As sessões sobrecarregadas ficam, momentaneamente, passíveis de maior transcrição. A transcrição é um método eficaz da retirada do excesso, apesar de lento e em alguns momentos doloroso. A tinta suga a água e a carrega para o meio onde serão impressas, papéis, paredes, rostos... Quanto mais a tinta saí, mais água a acompanha e se restabeleci o equilíbrio.
O que te fortalece é também o teu maior ponto-fraco. A água, dona de toda essa vida transbordante e preenchedora, é dona de uma voracidade e de uma força descomunal capaz de destruir casa, cidades, estados e vasos de origami. Basta uma tormenta considerável e o benefício se transmuta em malefício. As primeiras investidas laceram a base do vaso, a umidade excessiva enfraquece a estrutura e estimula a saída desordenada da tinta, em poucos segundos são perceptíveis traços irregulares espalhados pelos arredores como manchas de sangue. O vaso, agora, se rompe, e suas laterais caem por cima dos rabiscos, imprimindo essas sensações caóticas. A flor ainda tenta se manter de pé por alguns segundos, entretanto, despenca quicando em meio aos destroços. Nesses traços há de está escrito,dentre outros termos,algo assim
"Se existe alma, se há outra encarnação
Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão
Não quero flores, nem coroa de espinho
Só quero choro de flauta, violão e cavaquinho"
Ser um vaso, ao final das contas... com a possibilidade das tormentas, sempre haverá uma mão habilidosa e equipada para secá-lo, redobrá-lo e curá-lo.


VARCELLY


3 comentários:

  1. hauhauahu Complexo dmais!

    "Ser um vaso, ao final das contas (...) sempre haverá uma mão habilidosa e equipara para secá-lo..." Interessante ^^
    Mais interessante é cuidar desse vaso...

    Beijos!

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  2. Essa eh uma das musicas que eu faço questão q toquem no meu velorio.

    danina

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  3. "E por muitas vezes são assim os dias, o nível de água oscila entre valores aceitáveis e passíveis de serem sanados com uma dose diária de banho" (muito lindo e inspirador isso!).

    Lembrei uma musica "Se chove lá fora, queima aqui dentro de vontade" de ler-te! ADOREI, pra variar né?!

    Vc precisa pensar seriamente em escrever um livro com a reunião disso tudo, pra q suas linhas possam ser impressas muuuuuitas vezes!

    obs.não tenho orkut e nem msn!
    só uso o email do blog (naotonomeujuizoperfeito@gmail.com), e o twitter para divulgação do blog "@naoseisepresta". Mas se tiver afim de trocar uma idéia, manda email q eu acho otimo conversar com gente inteligente! hahha

    bjo

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