terça-feira, 28 de julho de 2009

Taco

Taco, espelhos, paredes, barras de ferros envolta do Salão, teto, todos estavam ali presenciando o encontro. Passos no corredor, alguém sobe a escada. Do lado oposto a porta de entrada havia outras três de vidro que davam acesso ao sobrado. Esse feito também de madeiras e com grades sutilmente desenhadas, repletas de nuançais e floreios. Era no sobrado que ela estava quando percebeu a presença dele. A brisa corria leve, movendo os cabelos longos e cacheados da senhorita, que no seu vestido longo e sobre seu fino salto olhava para a porta onde agora sorria um homem.

Ele não havia ingerido se quer uma gota de álcool, no entanto, a beleza da senhorita o tinha deslocado da sua sobriedade e via agora três dela, uma para cada porta. Assim que abandonou o concreto rígido da escada e acomodou a sola de seus sapatos no taco, com um som tradicional desse gesto, iniciou-se a música. Trouxe o outro pé para dentro da atmosfera do Salão, ajeitou o terno, encaixando-o melhor no corpo, e retirou o chapéu, que inicialmente lhe acobertava as feições.

Elas riam dessa ritual preparatório e adoravam poder analisá-lo como a um filme, desde a entrada na sala até a retirada do chapéu. Ele fazia tudo seguindo o ritmo suave da música, como se tivesse passado a vida inteira ouvindo-a. A música parecia tê-lo obrigado a desistir de caminhar até as moças, deslizava ora para frente ora para trás e seus sapatos pararam de produzir o típico som do encontro com o taco como fora na entrada. Movia pés, pernas, quadril e tronco em movimentos simples, mas detentores de uma graça aterradora que comovera as senhoritas.

Ele apenas se movia na direção do final do Salão admirando as imagens de lá emitidas. Não pensou em impressionar ou conquistar as moças com seus movimentos, porém, apreciava os sorrisos que causavam. E assim, foi vencendo a distância que o separava do sobrado e tendo que se apressar para escolher uma das três donzelas para acompanhá-lo na próxima dança. Olhou indeciso para as três portas e decidiu entrar onde seus passos o levassem. Fechou os olhos e dançou o resto da música. Após alguns giros já não tinha mais consciência da direção que se deslocava.

Silêncio. A música acabou. Ele abriu os olhos e vira as três portas estampando a realidade, só existia uma moça em sua frente. Adentrou o sobrado, olhou-a demoradamente, como se repetisse o tempo de observação que ela teve desde que ele entrou no Salão. Sua beleza era impressionante, era como os passos dele, simples, mas sublime. Ela parecia adorar aquela situação, não se incomodava de ficar parada posando para um olhar tão entusiasmado como aquele.

Não dissera uma palavra, estendeu a mão e ela aceitou o convite. Entraram no Salão ao som do taco sob seus pés. Mãos unidas. O braço dele a envolvia pela cintura e o dela pousara-lhe sobre os ombros. Eles se encaravam profundamente. A música já começava, todavia, a movimentação não. Eles preferiram sentir o prazer da presença do corpo um do outro. Dançavam parados! O cheiro dela, a textura do vestido aquecido pelo corpo, as pernas encostadas e lábios ansiando o fim da dança com uma respiração ofegante. Ela sentia os ombros e as costas dele com o braço, a textura da pele da mão dele, a firmeza com que ele a segurava pela cintura. Ela também não queria se mover.



VARCELLY


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